A resistência e resiliência dos povos indígenas são evidentes na sua capacidade de enfrentar e se adaptar às adversidades impostas desde a chegada dos europeus. Eles transformam os mecanismos históricos de opressão em ferramentas de afirmação cultural, celebrando sua identidade indígena em vez de negá-la.
Essa transformação também ocorre nos campos da educação e pesquisa. Historicamente, esses contextos foram utilizados para violentar e invisibilizar os indígenas através da catequização forçada e da abordagem assimilacionista nas escolas, além das representações caricaturais e silenciamentos nas pesquisas acadêmicas. No entanto, com a promulgação da Constituição de 1988, que estabeleceu a Educação Escolar Indígena diferenciada, bilíngue e intercultural, os povos indígenas começaram a utilizar essas instituições como instrumentos de resistência. Tornaram-se pesquisadores e professores dentro de suas próprias comunidades.
O Curso de Educação Intercultural Indígena do Núcleo Takinahakỹ de Formação Superior Indígena (NTFSI) da Universidade Federal de Goiás (UFG) é um exemplo notável. Seu Projeto Pedagógico de Curso incentiva os alunos, muitos dos quais já são professores em suas aldeias, a realizarem pesquisas que atendam às demandas de suas comunidades. Os Projetos Extraescolares são orientados pelos princípios da interculturalidade, transdisciplinaridade e contextualidade, permite aos alunos-professores a autoria das práticas pedagógicas em construção.
A interculturalidade crítica busca rever paradigmas de hierarquização de conhecimentos, promove a troca recíproca entre saberes indígenas e ocidentais através do diálogo cultural. A transdisciplinaridade visa superar os conhecimentos fragmentados e disciplinares das ciências ocidentais, incorpora saberes indígenas que não distinguem o ser humano da natureza. A contextualidade, alinhada aos princípios freireanos, envolve a interação com a realidade específica de cada povo, promove um diálogo com os vários saberes que circundam suas possibilidades de compreensão do mundo.
As pesquisas realizadas por professores indígenas demonstram a relevância desses princípios tanto em contextos indígenas quanto não indígenas. Manoel Javaé, por exemplo, destaca a importância de seu Projeto Extraescolar, pois “mostra para a sociedade envolvente e para a nossa comunidade a importância que tem a terra para nós, pois ela é nosso viver e temos uma ligação direta com ela” (Javaé, 2015, p. 119).
Os Projetos Extraescolares também se destacam por serem realizados em língua materna e por estarem em diálogo com as necessidades de suas comunidades. Isso promove a autonomia indígena na produção de saberes a partir de suas próprias epistemologias e cosmovisões, valoriza os conhecimentos ancestrais narrados pelos anciãos, que são verdadeiras bibliotecas vivas.
Os saberes indígenas são coletivos e integrados, profundamente entrelaçados com o cotidiano, a materialidade e a sensibilidade do mundo. Os conhecimentos constituem não apenas a fonte das narrativas, mas também suas dimensões históricas. Samuel Saburua Javaé, em seu Projeto Extraescolar "Hetohoky: a grande festa do povo Javaé" , enfatiza a pertinência da história produzida a partir da perspectiva Javaé, fundamentada no conhecimento ancestral e espiritual transmitido pelos pajés e anciãos: “agradeço aos nossos heróis deuses: Tyytyby, Xibure, Irasò, Tynyxiwè, que fazem parte de nossas crenças, e aos nossos historiadores, pajés e anciãos, Frank Hélio Bekuaka Javaé, Edivaldo Ijoriwè Javaé, Rivelino Wairama Javaé, Dorival Hãruwèsi Javaé" (2017. p.89).
Quando professores indígenas realizam pesquisas em seus territórios, estão imersos como membros das suas comunidades, utilizam saberes originários e a oralidade como método de transmissão de conhecimentos. Esses projetos exemplificam o princípio da complementaridade, que promove a interação entre saberes indígenas e científicos. Manoel Javaé destaca a importância de construir conhecimento e material didático intercultural, contribuindo para a educação de alunos indígenas e para a academia: “mostrar a importância da pesquisa do ponto de vista do conhecimento da minha cultura, porque é importante para academia, uma vez que é um novo estudo sobre os Javaé e também original, pois está sendo escrito por um índio da comunidade que viveu grande parte do processo” (Javaé, 2015, p. 118).
Para os Javaé, a "consciência histórica" abrange a corporeidade, territorialidade, ancestralidade e oralidade, elementos essenciais para entender sua concepção de tempo e história, em contraste com o pensamento ocidental fragmentado. As pesquisas documentadas pelos discentes do Comitê Javaé revelam critérios essenciais para a reconstrução do passado e uma teoria de agência social, representando uma "teoria Javaé da história".
Essas pesquisas são vitais para os povos indígenas, pois documentam e revitalizam saberes adormecidos. Segundo Ioló Javaé, os Projetos Extraescolares servem para “acordar a memória adormecida e escrever a informação”. Os cursos de Licenciatura Intercultural possibilitam a formação de professores indígenas, garantem “proposta política pedagógica intercultural, transdisciplinar e bilíngue que será trabalhada em uma interação entre escola e comunidade” (Javaé, 2015, p. 98)
Assim, os povos indígenas transformam instituições historicamente opressoras em instrumentos de resistência, utilizam escolas e universidades para fortalecer manifestações culturais e revitalizar línguas e saberes tradicionais. Os Projetos Extraescolares também alertam para os impactos do contato com não indígenas e a necessidade de um entendimento mais contextualizado e integrado dos costumes indígenas.