Tempo e História Javaé

Apresentação

Este site é o resultado da pesquisa conduzida por Tâmara Neiva Costa Manrique no Programa de Mestrado Profissional em Ensino de História (ProfHistória) da Universidade Federal de Goiás (UFG). Intitulada "Reterritorializando o Ensino de História Indígena a partir da perspectiva de tempo e história do povo Javaé", a pesquisa visa divulgar os trabalhos produzidos nos Projetos Extraescolares pelos alunos — muitos já professores em suas aldeias — do Curso de Licenciatura Intercultural Indígena, vinculado ao Núcleo Takinahakỹ de Formação Superior Indígena da UFG.

O objetivo central é fornecer, a partir dos Extraescolares, orientação para professores no ensino de história indígena na educação básica a partir das dimensões de tempo e história dos Javaé. O site busca promover o protagonismo indígena e de suas epistemologias, reforçar a ideia de que os mapas sociais e biológicos dos povos indígenas não devem ser interpretados a partir de conceitos ocidentais de natureza, cultura e sociedade.

Comitê Javaé. Etapa em Terra Indígena. Escola Indígena Txuiri Hiná – Ilha do Bananal (Formoso do Araguaia - TO). Orientadores: Dr. Elias Nazareno e José Pedro Machado.
Comitê Javaé. Etapa em Terra Indígena. Escola Indígena Txuiri Hiná – Ilha do Bananal (Formoso do Araguaia - TO). Orientadores: Dr. Elias Nazareno e José Pedro Machado. Fonte: Autoria própria, 18 abr. 2023.

Baseamos nossas estratégias pedagógicas no Projeto Pedagógico de Curso do Curso de Educação Intercultural Indígena do Núcleo Takinahakỹ de Formação Superior Indígena (NTFSI) da Universidade Federal de Goiás (UFG). O curso visa formar professores indígenas e incentivar a realização de pesquisas conhecidas como Projetos Extraescolares, conduzidas em territórios indígenas para atender às necessidades das comunidades.

Atualmente, o curso conta com aproximadamente 300 estudantes indígenas, muitos dos quais já atuam como professores. Os discentes provêm de várias regiões, incluindo o Território Etnoeducacional da Região Araguaia-Tocantins, o Parque Indígena do Xingu e a Terra Indígena Xakriabá, representam 32 diferentes povos dos estados de Goiás, Mato Grosso, Tocantins, Maranhão e Minas Gerais: Apànjêhkra/Canela, Apyãwa/Tapirapé, A’uwẽ Uptabi/Xavante, Bero biòwa mahãdu/Javaé, Boe/Bororo, Canela do Araguaia, Crẽh cateh cati ji/Krĩkati, Guajajara, Ikpeng, Iny/Karajá, Ixỹbiòwa/Xambioá, Kajkwakhrattxi/Tapayuna, Kalapalo, Kamayurá, Kawaiwete/Kayabi, Khĩsêtjê, Krahô, Krẽka/Xakriabá, Kuikuro, Matipu, Mehinako, Mẽmõrtũmre/Canela, Mẽtyktire/Kayapó, Panhĩ/Apinajé, Pyhcop cati ji/Gavião, Tapuia, Trumai, Wauja, Yawalapiti, Yudja/Juruna, Akwẽ-Xerente. Os idiomas falados pelos estudantes abrangem uma ampla variedade de troncos linguísticos, incluindo Tupi, Macro-Jê, Carib, Aruak, Bororo e Trumai.

Os princípios fundamentais do curso, e que também orientam o presente trabalho, são a interculturalidade, a transdisciplinaridade e a contextualidade. A interculturalidade promove a troca de conhecimentos entre diferentes culturas, desafia a hierarquia dos saberes. A transdisciplinaridade visa superar a fragmentação dos conhecimentos ocidentais e integrar os diferentes campos do conhecimento, tal como fazem os povos indígenas que não compartimentam os saberes em áreas, nem dissociam o ser humano da natureza. A contextualidade, inspirada nos princípios de Paulo Freire, envolve a interação com a realidade e o contexto específico de cada povo, valoriza a diversidade que compõem a compreensão do mundo.

Os Projetos Extraescolares, que são pesquisas desenvolvidas pelos professores indígenas, destacam-se por integrar práticas pedagógicas próprias e contextualizadas em diálogo com as demandas de seu povo. As pesquisas promovem a autonomia indígenas na produção de conhecimento, valorizam suas epistemologias e visões de mundo, destacam a importância dos saberes ancestrais, transmitidos pelos anciãos e anciãs das comunidades.

O curso busca criar espaços de diálogo em que as linguagens e os processos de produção de conhecimento indígena possam ser reconhecidos e valorizados. Os povos indígenas não separam a teoria da prática cotidiana, seus saberes são coletivos e integrados, produzidos na dinâmica de suas relações com o território, a aldeia, corpo, os laços de parentesco, a natureza e a sociedade.

Os Projetos Extraescolares exemplificam o princípio da complementaridade, ao integrar saberes indígenas e científicos, destacam a relevância da pesquisa do ponto de vista de cada povo. Para os Javaé, por exemplo, aquilo que chamamos de “consciência histórica” inclui dimensões fundamentais como corporeidade, territorialidade, ancestralidade e oralidade, essenciais para a compreensão de sua concepção de tempo e história.

Os projetos também revelam critérios essenciais para a interpretação do passado e uma teoria de agência social, constituindo uma "teoria Javaé da história". As pesquisas documentam e revitalizam saberes adormecidos, contribuem para a formação de professores indígenas e asseguram uma proposta pedagógica intercultural, transdisciplinar e bilíngue.

Por meio de Cursos de Licenciaturas Interculturais como do NTFSI, os povos indígenas transformam instituições outrora opressoras, como universidades e escolas, em instrumentos de resistência, fortalecem suas manifestações culturais por meio da educação. Os Projetos Extraescolares, conduzidos por professores indígenas, destacam a importância de contextualizar a história a partir das próprias perspectivas indígenas, muitas vezes contrastando com as distorções introduzidas pelas teorias ocidentais.

A abordagem das pesquisas extraescolares é de dentro para fora, invertendo a prática convencional que utiliza referências externas para estudar as comunidades indígenas. Além disso, possibilita o intercâmbio entre professores não indígenas e professores indígenas através de suas pesquisas, demonstram ser um valioso recurso para a promoção de uma educação intercultural crítica, baseada na troca horizontal de saberes.

Os professores indígenas, ao adotar uma postura crítica e contextualizada em seus estudos a partir de seus territórios, preenchem uma lacuna significativa na prática docente dos professores não indígenas, especialmente no que diz respeito à pesquisa. Esses educadores promovem uma visão crítica e autônoma da história, estimulam a curiosidade epistêmica dos alunos e de si mesmos. A proposta enfatiza a necessidade de uma educação dialógica, em que os sujeitos crescem e aprendem na diferença e no respeito mútuo. A ética na educação, segundo Paulo Freire, é fundamental e não um favor.

Os Projetos Extraescolares documentam os saberes e práticas tradicionais nos territórios indígenas, fornecem evidências importantes para as reivindicações territoriais e a luta contra a tese do marco temporal, que ameaça os territórios originários. Levar esses debates para as escolas cumpre uma função social e ética, fortalece o reconhecimento do direito à demarcação de terras, crucial para a preservação da cultura e da biodiversidade.

Entretanto, vale ressaltar que integrar os saberes indígenas no ensino de história não significa abandonar as ciências ocidentais, mas sim promover um diálogo crítico entre diferentes conhecimentos. A esse respeito, dialogamos com a corrente historiográfica da Nova História Indígena, que busca reavaliar e valorizar a presença e a contribuição dos povos indígenas na história brasileira, destacando-os como sujeitos históricos com suas próprias culturas e formas de resistência.

As pesquisas dos discentes do Curso de Licenciatura Intercultural Indígena são recursos valiosos para revitalizar a presença indígena na história do Brasil. As pesquisas, elaboradas a partir das perspectivas dos próprios indígenas, oferecem uma compreensão mais ampla e respeitosa da história, destacam a importância do protagonismo indígena. Nossa intenção é viabilizar o manejo deste recurso por parte dos professores não indígenas da educação básica.

Para alcançar essa expectativa, analisamos os Projetos Extraescolares documentados pelos professores do Comitê Javaé e publicados pelo Núcleo Takinahakỹ de Formação Superior Indígena na Revista Articulando e Construindo Saberes. As pesquisas exploram temas como ciclo de vida, parentesco, artesanato, plantas medicinais, danças, caça, pesca e músicas tradicionais.

As estratégias de resistência presentes nas pesquisas demonstram uma troca entre saberes indígenas e não indígena. Além disso, evidenciam que a diversidade dos povos indígenas exige uma abordagem educacional que respeite suas especificidades.

Por esse motivo, a Educação Intercultural Indígena, como a praticada pelo NTFSI, atua como um importante recurso teórico e metodológico para orientar o ensino de história indígena, pois ressalta a importância de uma interação pluriepistemológica, trazendo à tona formas de conhecimento historicamente negligenciadas.

Portanto, a história e o ensino de história devem incluir os povos indígenas como protagonistas, reconhecer suas narrativas e perspectivas, além de acessar os recursos epistemológicos desses povos. As licenciaturas interculturais desempenham um papel crucial na promoção dessas ferramentas.

Professores indígenas, ao desenvolverem pesquisas dentro de suas próprias comunidades, utilizam metodologias apropriadas para pensar a lógica de seu povo, ao contrário dos referenciais ocidentais que visam classificar e categorizar. Valorizar as pesquisas produzidas por professores indígenas da Educação Escolar Indígena se mostra como um recurso viável para essa abordagem.

A intenção não é fornecer modelos prontos, mas incentivar um entendimento contextualizado dos processos históricos indígenas, promover um diálogo intercultural que respeite e valorize seus saberes.

Sobre a autora

Tâmara integra o Projeto de Pesquisa "Narrativas e Percepções do Povo Indígena Javaé Sobre História, Tempo e Lugar" (2022 - atual), sob a coordenação do Prof. Dr. Elias Nazareno. Atua como docente de História para Ensino Médio e Ensino Fundamental II na rede privada em Senador Canedo/GO. Possui Especialização em História e Cultura Afro-Brasileira e Africana (UFG - 2016) e Graduação em História (UFG - 2013).

Participa do Comitê Orientador Javaé e Karajá do Curso de Licenciatura Intercultural Indígena vinculado ao Núcleo Takinahakỹ de Formação Superior Indígena da Universidade Federal de Goiás desde 2022, sob responsabilidade dos professores Dr. Elias Nazareno e Dr. José Pedro Machado, onde atua como monitora.

Também participou das etapas em Terra Indígena do Comitê Javaé e Karajá do Curso de Licenciatura Intercultural Indígena na Aldeia Txuiri, Escola Estadual Indígena Txuiri-Hina localizada na Ilha do Bananal (Formoso do Araguaia – TO); na Aldeia São Domingos, Escola Estadual Indígena Hadori (Luciara – MT), Aldeia Santa Isabel do Morro; Escola Indígena Malua (São Félix do Araguaia – MT) e na Aldeia Buridina, Escola Estadual Indígena Maurehi (Aruanã - GO).

Como monitora do Comitê Javaé e Karajá, colaborou com a orientação dos Projetos Extraescolares dos discentes desses respectivos povos entre os anos de 2022 e 2024, como o “Byrè (esteira Javaé)” de Rosilene Werien Javaé, “Realidade indígena da aldeia Buridina Karajá de Aruanã – GO/ Brasil: turismo sustentável”, de Mariana Malurrereru dos Santos. Além dos Estágios Supervisionados, como “Peixe Tucuna (Benora)”, de Mabiore Karajá e “Pintura do povo Iny”, de Tales Tapirapé.